O pobre Museu Nacional, que em vida tanto careceu de atenções, condenado ao ostracismo governamental, teve de morrer, de morte dolorosa, para chamar atenção e revelar a angústia do patrimônio histórico. Precisou ter o mesmo destino da parábola da semente de mostarda: foi preciso morrer para ganhar vida. Ainda sob o impacto da destruição total, esperando-se que se salve o esqueleto, dependendo de posterior avaliação atenta, a casa da Quinta da Boa Vista já começou a conhecer a fase de promessas para voltar a existir. A começar pelo próprio governo federal, impenitente, liberando pedaços de verbas adormecidas, além de piedosa esperança de sensibilizar os bancos e deles obter patrocínio para a causa restauradora. Está apostando no imprevisível, porque espera obter exatamente de uma fonte que prima pela insensibilidade ante os interesses da sociedade. Contudo, para os banqueiros e suas empresas bilionárias seria um momento de contrição.
A dúvida que não se apaga, mas sempre aquecida, é que as boas intenções geralmente acabam em nada, quando a questão é refazer o que a incúria deixou que fosse destruído. Faz sentido, porque se os governos e a própria sociedade não cuidam da memória, é bem provável que tudo volte ao tradicional esquecimento, quando o sinistro sair das manchetes. Há uma tendência ao olvido, principalmente se as coisas não revelam utilitarismo imediato. Quando chegar a eleição, e depois o país passar a pensar em seus novos chefes, quem se lembrará desse e de outros museus?
Se nada dessa trágica experiência pode ficar relegada, cabe lembrar que, em relação às casas de cultura e de história, que se espalham por todo o pais, é preciso deixar claro que ao governo não pode bastar o papel de socorrista, só investindo na hora de apagar o fogo. Antes de tudo, deve rever suas prioridades na distribuição dos recursos orçamentários, estabelecendo, como critério, o patrimônio cultural mais vulnerável, existente não apenas no Rio de Janeiro, mas em quase todos os demais estados. Critério e escala de prioridades; eis a questão.
No eterno choque entre a previsão de receitas e a fixação de despesas, as rubricas que contemplam arte e preservação dos bens históricos no Brasil não conseguem ir além do meramente simbólico, geralmente algo em torno de 2%. E os orçamentos não sinalizam condutas diferentes, premidos que somos por uma terrível vocação para os déficits. Eis a realidade impositiva. O caminho, então, seria levar o Ministério da Cultura a adotar uma nova e rigorosa política de prioridades. O presidente Temer, que se disse compungido diante da imagem das chamas que devoravam o Museu Nacional, fecharia bem sua gestão nesse setor se determinasse o reclamado critério. Deixaria dieta e remédios prontos para serem ministrados por quem o suceder.
Por que uma linha de prioridades frente a tão escassos recursos? Por início, tome-se em conta que nunca faltaram verbas para shows, espetáculos e viagens de turismo, que certamente podiam ser limitados ou dispensados. Relegados esses a plano secundário, estariam abertas maiores atenções para a preservação dos bens permanentes. Ninguém, em sã consciência, teria coragem de desmentir que muitos recursos oficiais da cultura escorregam para o regalo de grupos de simpatia dos governantes.
Ou não é assim que acontece?
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