quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Votai em Haddad

Finalmente o PT formalizou a troca do ex-presidente Lula por Fernando Haddad na disputa presidencial, deflagrando uma operação eleitoral complexa e singular, com a tentativa de transferir para o indicado uma parcela dos votos de Lula, suficiente para levá-lo ao segundo turno. Se tiver êxito, e o adversário for Jair Bolsonaro, que apesar do eleitorado sólido tem a maior rejeição entre os candidatos, serão grandes as chances de uma volta por cima: para o PT, que vem de seguidas derrotas e espancamentos, e para Lula, condenado, preso e inabilitado em processos questionados mundo afora.
Em sua segunda Carta ao Povo Brasileiro, Lula destila sua indignação com a condenação criminal e o impedimento da vitória certa que teria, antes de pedir, “de coração”, que seus eleitores votem em Haddad. A carta e o pedido serão armas na batalha, mesmo na voz de outros. Se metade dos eleitores de Lula (que teve 39% no penúltimo Datafolha) atender seu pedido, Haddad estará no segundo turno. Lula foi exitoso em 2010, ao converter em votos para Dilma sua popularidade como presidente, superior a 80%; e ao apoiar um Haddad estreante nas urnas como candidato a prefeito de São Paulo, em 2012. O pedido de agora evoca um caso clássico de transferência de votos na história eleitoral brasileira: o de Getúlio Varga quando, deposto pouco antes da eleição de 1945, decidiu apoiar um de seus algozes, Gaspar Dutra, do PSD, para evitar a vitória da UDN com o brigadeiro Eduardo Gomes. Faltavam cinco dias para o pleito quando uma declaração dele foi lida no último comício do pessedista. Por suas afinidades com o trabalhismo, dizia, o candidato “merece os nossos sufrágios”. Nos dias seguintes o país foi inundado por panfletos com retratos de Vargas e a inscrição: “Ele disse: votai em Dutra”. Dutra ganhou e Getúlio voltou ao governo, pelo voto, em 1950.
Ciro e Haddad
A ousadia da operação é semelhante. O tempo é curto, a disputa vai se acirrar mas o mundo digital favorece o PT, dispensando os arcaicos panfletos. Até aqui, Haddad enfrentou as questões internas no PT. Agora começa o trecho mais pedregoso. Para começar, agora é alvo. O tucano Geraldo Alckmin, já começou a pregar um voto útil contra a volta do PT, “o culpado de tudo”. Pela esquerda, o problema é Ciro Gomes, neste momento em viés de alta, recolhendo parte dos votos que seriam de Lula. Ele cresceu de 10% para 13% na série Datafolha, mas foi maior o salto de Haddad, que passou de 4% para 9%. Os dois agora vão disputar encarniçadamente a segunda vaga, mas sem causar feridas que impeçam uma aliança no segundo turno. Ciro ontem começou a desqualificar Haddad, lembrando que ele perdeu até para os brancos e nulos, ao tentar a reeleição para a prefeitura em 2016.
Assim como a prisão do ex-governador tucano Beto Richa, ontem no Paraná, complica ainda mais a situação de Alckmin (que, apesar de seu imenso tempo de TV e dos ataques a Bolsonaro, cresceu apenas residualmente), os vazamentos da delação do ex-ministro Antônio Palocci também são apontados como problemas para Haddad. Mas que importância terão discursos sobre corrupção nos governos do PT para eleitores que, mesmo com Lula condenado e preso, iriam votar nele? O eleitorado de Lula entende que a Lava Jato encontrou podres em todos os partidos, mas que só ele foi preso e impedido de concorrer.
E se o PT ganhar?
A sorte está lançada e uma pergunta paira sobre a mesa: se o PT ganhar com Haddad, o resultado será assimilado pelas forças que tanto fizeram para derrubar Dilma Rousseff e para tirar Lula da disputa? A condenação veloz na segunda instância e o atropelo do rito no TSE, terão feito tudo isso para deixar Haddad ganhar depois? E estes generais assanhados, com suas declarações sugerindo que a volta de um governo de esquerda é inaceitável, o que farão?
São perguntas que só vicejam numa democracia debilitada, mas elas estão aí, embora não sejam verbalizadas.

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