Ainda que jamais tenham se esgotado as discussões sobre a eficácia das eleições em dois turnos, sobretudo quando se cuida dos que lamentam os milionários gastos com uma segunda rodada de votação, há certos aspectos de excelência no modelo dos quais é impossível discordar. Um, que de imediato ocorre, é que o embate inicial, confrontados todos os postulantes, torna-se a real oportunidade de fazerem conhecer seus programas e permitir que se avaliem as ideias políticas que defendem; e, se nem sempre essa virtude se faz notar no começo da campanha, a culpa não é do modelo, mas de quem nele se insere.
Mas um total e definitivo posicionamento de quem é chamado a votar dificilmente se consegue apenas com o primeiro turno, diferentemente do segundo. Aí, ou eleitor confirma a preferência já manifestada ou ganha o direito de dar um segundo voto. Se fizer parte do eleitorado que vai se frustrar no dia 7, conquista um novo direito de participar do processo, mesmo se preocupado apenas em votar, no dia 28, contra aquele que lhe parecer o pior. Sim, porque a opção pelo melhor entre dois finalistas nem sempre é o que pesa na consciência. Direito que não se discute. Muitos voltam à urna para amargar o primeiro fracasso. Para esses, se no lance inicial era o espadachim, no seguinte, é arma de fogo, como se ouvia na análise trágica de PC Farias.
Desde a eleição de 1989, quando se consolidou a experiência, os resultados contribuíram para avultar, de tal forma, sua importância, que não mais se considerou poder abandoná-la. Exceções foram na escolha presidencial de 94 e 98, quando as urnas cuidaram de decidir tudo em turno único.
Diante do que se viu, e certamente ainda se verá, torna-se duvidoso que mesmo os críticos mais ferrenhos seriam capazes de assinar memorial que pretendesse reduzir a manifestação eleitoral a apenas um turno.
Ainda sob inspiração da citada experiência, nesse tira-teima, que as previsões indicam ter tudo para repetir-se em 28 de outubro (as pesquisas mostram os 13 candidatos à Presidência da República distantes de votação majoritária), há um outro detalhe de capital importância, quando o que está em causa é a expectativa de legitimação do mandato do Executivo, seja ele federal ou estadual. Tanto assim que, no segundo turno, não basta que ele tenha mais votos que o opositor; cobra-se alcançar a maioria dos votos, desde que estes sejam válidos. Neste particular, revela-se integral a intenção do legislador em garantir ao eleito o reconhecimento incontestável; porque sem isso o mandato pecaria no vício da inautenticidade, e carente de musculatura política, predicado impossível de se obter, a não ser pelo voto. Muito fácil de compreender, pois o espírito de um pleito democrático é sempre confiar mandatos às maiorias.
As modernas democracias em mais de um século, caminhando ou mesmo retrocedendo nos atropelos, sabem e ensinam que jamais poderiam dispensar o voto, como forma de manifestação das vontades políticas. Aperfeiçoando-se, num passo seguinte, constataram que tão importante como o voto é garantir que ele seja o inquestionável intérprete do desejo do maior número possível de cidadãos. No caso brasileiro, e entre muitos outros povos, o melhor instrumento para tanto é o segundo turno, igualmente virtuoso ao impedir que as parcelas minoritárias do eleitorado sejam alijadas.
Nos últimos anos, os críticos dessa conquista, antes tão furiosos, têm se mostrado comedidos, começando por não mais recomendarem a eliminação do segundo turno como proposta cabível em futura reforma política. É provável que tenham desistido, depois de estudo acurado da matéria. Se foi isso, parabéns!
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